Há poucos dias, li um artigo que falava de um pássaro chamado “tiê-sangue”, (também conhecido como “tiê-fogo” ou “sangue-de-boi”) encontrado em áreas desmatadas e restingas, da Paraíba até Santa Catarina, principalmente no litoral. O vermelho-vivo é a cor dominante de sua linda plumagem – daí o nome. Por sua beleza, é muito perseguido pelos criadores. Acontece que, quando em cativeiro, o tié-sangue perde sua beleza, suas cores se desbotam – o vermelho se torna alaranjado - e é comum que em pouco tempo morra de estresse. Ou seja, ele só brilha se em liberdade.
Numa época em que se fala tanto em “bullying” e “burnout”, não resisti à tentação de fazer uma analogia entre as características daquele pássaro e o clima interno de algumas empresas.
Através de e-mails que recebo e de depoimentos que ouço durante minhas palestras, fico sabendo que, a pretexto de manter a disciplina e a autoridade, alguns gestores, com ou sem conhecimento da sua organização, continuam distorcendo o uso do chamado “poder”, transformando o local de trabalho em verdadeiros cativeiros emocionais para os funcionários, tirando o brilho deles e, pior, gerando situações de constrangimento e de estresse.
Ter liberdade de expressão, de movimentação e de relacionamento é um direito de qualquer pessoa que viva numa democracia e, no caso das empresas, é um direito de todo profissional, desde que essas manifestações não comprometam seu desempenho.
Conforme reconhecimento do mundo inteiro, o brasileiro é naturalmente alegre, criativo, comunicativo e afetuoso, em qualquer contexto. E é essa energia, essa motivação pela vida, pela expressividade e pelo envolvimento com as pessoas, que o torna tão positivamente diferenciado.
Proibir ao profissional a livre manifestação dessas características equivale a tirar sua liberdade, sua iniciativa e, por fim, seu tônus vital – como ocorre com o tiê-sangue engaiolado. Principalmente se essa proibição vem acompanhada com a ameaça – explícita ou velada – de demissão sumária.
Já foi suficientemente afirmado e comprovado que não é a liberdade de ação e expressão de uma equipe que põem em risco a estabilidade e a eficiência de qualquer liderança. Pelo contrário, não há como obter a lealdade, o entusiasmo, o esforço e o comprometimento dos colaboradores – o que se reflete imediatamente na produtividade e na qualidade dos produtos e serviços – sem que se dê aos mesmos condições dignas e éticas de vida e de trabalho.
O trabalho não precisa ser necessariamente um peso, um sacrifício, ao qual se vai todo dia com medo, tristeza ou raiva. Ele pode ser uma fonte de satisfação e de realização, desde que os profissionais não se sintam em cativeiros simbólicos, sob contínuos constrangimentos, excessiva pressão ou permanente risco de punições.
Se puderem ser livres, ter sua auto-estima preservada e se mostrar como de fato são, sem a obrigação de reprimir sua espontaneidade para agradar gestores, eles revelarão toda sua capacidade produtiva e todos os seus talentos – da mesma forma que faz o tiê-sangue quando em liberdade.
Floriano Serra é psicólogo, palestrante e docente de seminários comportamentais. É diretor-executivo da SOMMA4 Gestão de Pessoas, autor de vários livros e inúmeros artigos sobre o comportamento humano no trabalho. Ex-diretor de RH de empresas nacionais e multinacionais.
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